Cabo Verde <br>de uma só cor

Carlos Lopes Pereira

As eleições para a presidência da República de Cabo Verde, no domingo, 2, tiveram um desfecho esperado. Jorge Fonseca, o presidente cessante, venceu com larga maioria e foi reeleito para um segundo mandato de cinco anos.

Jurista, de 65 anos, apoiado pelo Movimento para a Democracia (MpD), no governo, Jorge Fonseca ganhou com 74 por cento dos votos expressos, tendo recebido o apoio de 90 642 eleitores de um total de 361 206 eleitores inscritos. Verificou-se uma abstenção de 64 por cento (220 401 eleitores não foram às urnas), a mais alta de sempre na história do país.

De acordo com os resultados provisórios, em segundo lugar ficou Albertino Graça, com 22,6 por cento (27 661 votos), e em terceiro Joaquim Monteiro, com 3,4 por cento (4213 votos).

Tendo feito campanha sob o lema «O Presidente sempre com as pessoas», Jorge Fonseca considerou a reeleição «histórica do ponto de vista dos resultados». Realçou que a vitória, em todas as ilhas, em todos os concelhos, em todos os círculos da diáspora, «é a mais expressiva de sempre na democracia cabo-verdiana». E prometeu respeitar a Constituição, ser imparcial e estar próximo das pessoas.  

Albertino Graça, de 56 anos, reitor da Universidade do Mindelo, que concorreu com o lema «Mais equilíbrio», com o apoio do Partido Popular (0,34 por cento nas legislativas deste ano), reconheceu a derrota e felicitou o vencedor mas questionou a legitimidade de um presidente eleito com 30 por cento dos eleitores inscritos. Segundo o jornal A Semana, Graça propôs aos partidos políticos uma reflexão sobre a elevada abstenção e a possibilidade de se instituir o voto obrigatório em Cabo Verde.

Jaime Monteiro, de 76 anos, natural da ilha de Santo Antão e veterano da luta independentista, já tinha sido candidato nas presidenciais anteriores e garantiu que se apresentará de novo às urnas em 2021. Assumindo-se como «o verdadeiro candidato do povo», fez uma campanha com poucos meios e chamou a atenção para «as situações de pobreza e as condições em que muitos cabo-verdianos ainda vivem».

Que democracia?

A previsibilidade de uma vitória folgada do presidente cessante, a fraca participação popular na campanha eleitoral e a elevada abstenção terão tido em parte a ver com o facto de o maior partido da oposição, o PAICV, o partido da independência, não ter apresentado candidato, dando liberdade de voto aos seus militantes. O terceiro partido com representação parlamentar, a UCID, também não deu indicações de voto mas o seu líder apoiou «a título pessoal» Jorge Fonseca.

Em Cabo Verde, estas foram as terceiras eleições em 2016. Nas legislativas, em Março, e nas locais, em Setembro, o MpD já tinha vencido com ampla vantagem. O partido, do «centro-direita», após ter estado 15 anos na oposição, detém doravante a maioria absoluta no parlamento, formou o seu governo, conquistou a liderança na maior parte dos municípios e conta na chefia do Estado com um correligionário. Os cabo-verdianos optaram por depositar os ovos todos no mesmo cesto, o país está politicamente de uma cor só.

Esta concentração dos poderes legislativo, executivo, presidencial e local numa única força política, 41 anos depois da independência, é desafiante para Cabo Verde, apontado em geral como um exemplo de estabilidade política, democracia e boa governança em África. E é um desafio tanto para o MpD, que emerge como partido dominante, como para o PAICV, agora na oposição, após ter governado com êxito o país nos primeiros 15 anos de independência e, mais tarde, entre 2000 e 2015.
Estas eleições presidenciais foram acompanhadas por 80 observadores internacionais, que validaram a sua justeza e transparência, criticando apenas a elevada taxa de abstenção, aliás «genérica a todos os países africanos».

Serifo Nhamadjo, ex-presidente da Guiné-Bissau, à frente da missão da União Africana (UA), destacou o estatuto de Cabo Verde como um país «moderno e democrático». Os 29 observadores da UA estiveram desde 24 de Setembro em sete das nove ilhas.   
Também o chefe da missão de 50 observadores da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (Cedeao), o ex-presidente do Benim Thomas Boni Yaya, assinalou que Cabo Verde «é conhecido hoje como uma terra de cultura democrática».
O antigo dirigente do Benim lembrou que em 2015 houve 23 eleições no continente africano e que 18 delas resultaram em conflitos pós-eleitorais e conduziram a instabilidade política.

Eis um bom tema de reflexão, não só para os cabo-verdianos – o do modelo de democracia imposto aos povos, africanos e outros.

 



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